Carlos Pinto (Optimize IP): “A recessão vai chegar ainda este ano às economias mais avançadas, ou o mais tardar no primeiro semestre do próximo ano”

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Carlos Pinto. Créditos: Vitor Duarte

TRIBUNA de Carlos Pinto, gestor sénior de Investimentos, da Optimize Investment Partners.

O ano começou com a ameaça inflacionista e consequente entrada da economia em estagflação, ou seja, na expectativa do crescimento global não acompanhar a inflação devido aos vários constrangimentos nas cadeias de abastecimento materializada na escassez da oferta. Este quadro acabou por ser confirmado e agravado com a invasão da Rússia ao território ucraniano e o imediato embargo à economia russa. Portanto, de uma crise nas cadeias de abastecimento, somou-se uma crise energética e de produtos alimentares. Sendo a Rússia um dos principais fornecedores mundiais de petróleo e gás natural, principalmente para a Europa, e a Ucrânia um dos maiores fornecedores mundiais de cereais, este conflito foi o rastilho para uma tempestade perfeita num ano que regista um dos piores comportamentos de sempre da generalidade dos ativos financeiros.

Perante este cenário, a recessão vai chegar ainda este ano às economias mais avançadas, ou o mais tardar no primeiro semestre do próximo ano.

EUA

Nos EUA, a Fed implementou o ritmo de subidas mais célere dos últimos 40 anos, num ataque agressivo aos atuais níveis inflacionistas que visa arrefecer a procura. Os últimos números da inflação já trouxeram a luz ao fundo do túnel, registando uma ligeira desaceleração a beneficiar da normalização das cadeias de abastecimento e dos primeiros indícios de inversão de variáveis mais persistentes, nomeadamente os custos de habitação que já evidenciam alguns sinais de abrandamento. Contudo, a Fed deverá manter a retórica hawkish, ou mais agressiva, até que o mercado de trabalho revele sinais de enfraquecimento. Perante este cenário, a Fed passou o intervalo da taxa diretora dos 0%-0.25% para os 4.25%-4.50% ao longo deste ano sendo expectável que possa atingir um máximo de 5%-5.5% durante o próximo ano. O PIB americano deverá entrar em contração ao longo de 2023 e finalizar o ano ligeiramente positivo. 

Europa

Na zona euro, o panorama está mais nebuloso. A elevada inflação perdura, sem qualquer sinal de reversão. O BCE já assumiu que, enquanto persistir esta pressão, o ritmo de subida da taxa de juro vai permanecer agressivo. A crise energética é a grande protagonista para o atual nível de inflação e está a arrastar a economia europeia para uma recessão a iniciar entre o final de 2022 e o princípio de 2023. No entanto, o BCE já foi obrigado a reunir de emergência e a implementar medidas para estancar a escalada nos spreads entre os países core e periféricos. Desta feita, foi anunciado um programa anti-fragmentação, que visa comprar obrigações da zona euro de países mais vulneráveis mediante o cumprimento de determinados requisitos. 

Por um lado, o BCE está fortemente comprometido em controlar a inflação, mas por outro vai fazer o necessário, uma espécie de whatever it takes, para manter a coesão na zona euro e estabilização dos spreads na região. A taxa de juro das operações principais de refinanciamento do BCE passou dos 0% para os 2.5%, sendo projetado que atinja os 3.5% ao longo próximo ano. Apesar do posicionamento hawkish, agravado na última reunião do ano, o BCE não deverá conseguir que a taxa ultrapasse esta projeção devido ao elevado endividamento na região e o forte impacto que teria nas famílias e na solvabilidade da economia da zona euro.

Japão

A política monetária ultra expansionista no Japão, em contraciclo com os seus pares ocidentais, refletiu-se em fortes depreciações da sua moeda. Esta discrepância monetária, está a provocar danos nas cadeias de abastecimento especialmente em algumas indústrias relevantes para a sua economia, como a eletrónica, não conseguindo compensar pelo maior estímulo implícito nas exportações. Dificilmente o BoJ vai conseguir manter o atual nível expansionista, sendo esperado que 2023 inicie o ciclo de subidas da taxa de juro diretora, embora de forma menos expressiva que os seus congéneres, Fed e BCE.

Mercados emergentes

Os mercados emergentes tiveram na generalidade um desempenho negativo, condicionado pela política mais agressiva da Fed e consequente apreciação do dólar face à generalidade das moedas domésticas, afetando sobretudo as economias mais importadoras. 

A China, esteve mais pressionada. O maior peso regulatório, apertadas medidas de confinamento em importantes cidades e as revisões em baixa das suas metas de crescimento levaram esta economia para um nível das mais detratoras. A intransigência das autoridades chinesas na política covid zero não permite a normalização da atividade económica do país e a eficácia da vacina é questionada, já que sempre que aliviam ligeiramente as restrições, têm um disparo no número de novos casos. Todas estas imposições e incertezas levam as estimativas de crescimento a serem revistas em baixa, para além de todo o impacto que provocam nas cadeias de distribuição globais, obrigando muitas empresas a diversificar e procurar novos mercados geográficos de fornecimento às cadeias de abastecimento. 

Em contraciclo, esteve o Brasil, beneficiado pela maior exposição da sua economia às matérias-primas e aumento dos volumes e preços do mercado exportador sobretudo sobre o petróleo, minério de ferro e matérias agrícolas. 

Ações

Os mercados acionistas apresentaram quedas expressivas no ano de 2022 antecipando uma recessão moderada na economia, apesar da resiliência dos resultados empresariais. De facto, têm surpreendido nos últimos trimestres pela sua trajetória ascendente. Contudo, consideramos que os resultados vão começar a ser afetados a partir do último trimestre de 2022. Acontece que a inflação e as subidas das taxas de juros deverão impactar os earnings nos próximos períodos, com várias empresas já incorporarem em baixa nas suas projeções de crescimento para 2023.

Antecipando um novo normal de taxas de juro mais elevadas, temos preferência por empresas menos alavancadas, uma vez que as empresas com maior endividamento vão ser mais penalizadas pelo aumento das taxas juro e pelo expectável agravamento dos spreads de crédito especialmente nas que tenham de efetuar um roll over mais célere às suas linhas de financiamento. Encontramos excelentes oportunidades nas denominadas quality growth, ou seja, as empresas líderes nos seus nichos de mercado, com elevadas barreiras à entrada, sendo estas as que têm maior facilidade em repassar a inflação nas suas vendas. As empresas tecnologicamente eficientes que permitam aumentar a produtividade, vão ser as melhores posicionadas para preservar e até aumentar as suas margens, patenteando estas uma verdadeira arma contra a inflação. 

No mercado emergente, as ações chinesas transacionam em múltiplos historicamente baixos, mas preferimos aguardar por uma maior consistência no alívio das atuais políticas restritivas, por outro lado, a correção deste ano no mercado indiano, permitiu que entrássemos novamente, numa geografia que continua bastante resiliente e com excelente dinamismo de crescimento permitindo aproveitar um bom múltiplo de entrada. 

Obrigações

O mercado obrigacionista apresenta quedas historicamente elevadas, afetado sobretudo pelo forte impacto na duração, perante a agressividade do aumento das taxas de juros nas obrigações sem risco. A performance de 2022 encontra-se no outlier mais extremo na distribuição anual de performances das US 10Yr treasuries dos últimos 150 anos. O impacto no spread de crédito esteve mais controlado assim como a taxa de default em níveis historicamente baixos, refletindo a robustez nos resultados empresariais. Num cenário de recessão económica e estabilização das taxas de juro por parte dos bancos centrais durante o próximo ano, é esperado que o spread de crédito seja alargado, sendo as obrigações Investment Grade uma verdadeira fonte de rendimento, e de proteção das carteiras. Este segmento proporciona a segurança e o carry necessário para um rendimento real, ou seja, acima da inflação esperada. O atual nível já permite acomodar eventuais subidas acima do esperado.

Posto isto, privilegiamos obrigações de empresas com elevada qualidade de crédito emitidas em moeda forte (EUR e USD), neste segmento já incrementámos em duração e em subordinadas. Mais seletivamente e oportunisticamente em dívida High Yield americana e dívida emergente, com muitas emissões excessivamente castigadas.

Maiores riscos

O risco de recessão está cada vez mais implícito nos preços na generalidade dos ativos financeiros. A inflação promete começar a abrandar, contudo a incerteza é grande quanto ao período que irá perdurar muito acima dos 2%, ou seja, da meta dos Bancos Centrais. A duração da guerra na Ucrânia, o efeito da desglobalização, com muitos países adotarem políticas protecionistas limitando o acesso ao mercado global e ainda a intensificação da transição energética a um ritmo superior à oferta disponível vão ser os acontecimentos-chave a monitorizar que podem efetivamente prolongar a inflação acima dos 2% por mais tempo.

ESG

Estamos convictos da importância das políticas de sustentabilidade, e o mundo deve ir nessa direção, todavia precisam de ser melhor integradas e não por simples decreto. A sociedade em geral deve ter essa consciência e monitorizá-las sem serem obrigados a regras que mudam com demasiada frequência. Neste segmento privilegiamos empresas com impacto mais objetivo, mais transparente e que otimizem a relação retorno/risco.

As políticas ESG ainda têm um longo caminho a percorrer em direção a critérios mais harmonizados e objetivos. Nesta conjuntura, encontramos um maior risco de greenwashing neste quadro menos harmonizado e é um risco que pretendemos minimizar.

Fundo recomendado

Recomendamos o fundo Optimize PPR Ativo, com uma abordagem diversificada podendo estar investido até 55% em ações. Um fundo com um track record superior a 14 anos, galardoado este ano com o prémio de melhor fundo PPR – risco 4, uma distinção que elege os fundos com melhor rentabilidade ajustada ao risco no longo prazo. 

Conclusão

O próximo ano promete ser muito desafiante em termos económicos, nomeadamente pela materialização das recentes subidas das taxas de juro e da perda do poder de compra da população. Paradoxalmente, para os mercados financeiros, o cenário está menos incerto e mais otimista, uma vez que as quedas deste ano já incorporam um abrandamento da economia, sendo esperada e já implícito nos preços dos ativos financeiros, uma recessão moderada.

O ambiente de inflação nula e taxas de juro baixas ou negativas que presenciámos nos últimos anos promete estar definitivamente afastado, sendo aguardado para os próximos anos uma conjuntura de inflação normalizada e em que as obrigações proporcionem um rendimento acima da inflação. Não obstante, anteciparmos um cenário de abrandamento dos resultados das empresas a partir do último trimestre de 2022 e que deverá perdurar durante o próximo ano, as ações também oferecem nos níveis atuais, um excelente ponto de entrada para quem tenha um horizonte temporal de longo prazo.