O caminho da inflação e o impacto na política monetária

Obrigações Fundos de investimento ETF
Créditos: Vitor Duarte

“Com as recentes leituras da inflação nos EUA, os mercados começaram a acreditar que a Fed irá mostrar uma mudança de direção na política monetária. Não estou tão certa que assim seja, porque ainda vemos muita pressão inflacionista”. Quem o diz é Eléonore Bunel, responsável de Fixed Income, Lazard Fund Managers, que se juntou a três profissionais de investimento do mercado português para discutir taxas, inflação, bancos centrais e o contexto económico. 

Para a especialista, apesar de algum alívio nas componentes da inflação mais ligadas aos constrangimentos nas cadeias de abastecimento, temos ainda uma componente mais persistente no subida do nível de preços. Mas a opinião não é a mesma para os dois lados do Atlântico. “Nos EUA é muito simples. Temos uma economia bastante resiliente e os salários estão bem. Na Europa, como temos uma guerra, a inflação tem uma origem diferente, mais relacionada com os custos da energia. Está certo que começamos a ver um ligeiro aumento nos salários, mas o PMI mais recente já aponta para uma recessão. Deverá acontecer no princípio do ano, se é que não estamos já numa recessão”, descreve. Resultado: um posicionamento neutral em duration na Europa. “Não era o caso recentemente, quando ainda estávamos muito negativos em taxas na Europa, mas neutralizamos recentemente a nossa aposta”, explica.  

Carlos Pinto, gestor de carteiras sénior na Optimize Investment Partners, os últimos dados da inflação trouxeram “a luz ao fim do túnel”. “Alguns componentes já nos tinham mostrado melhorias claras no relatório anterior, tais como os custos de transporte e a normalização das cadeias de abastecimento. No entanto, componentes mais persistentes, tais como a habitação e serviços já mostram os primeiros sinais de desaceleração. Por exemplo, os preços das casas que entraram recentemente no mercado nos EUA já iniciaram a sua trajetória de declínio, bem como a procura por crédito hipotecário”, explica. Para o profissional, estes são só os primeiros sinais de que estes indicadores deverão refletir em breve um abrandamento relevante nas leituras de inflação. Como lembra Carlos Pinto, só por si, “estas componentes representam um terço da inflação”, e os próximos relatórios deverão trazer alguma visibilidade ao caminho que os Bancos Centrais irão seguir.

Na mesma linha, Luís Sancho gestor de carteiras na BBVA AM, comenta que “se considerarmos os componentes que enfrentam um efeito de base, na minha opinião, podemos ter uma visão mais otimista no que se refere à desaceleração da inflação. O petróleo, gás, alumínio, cobre, trigo… todas estas matérias-primas viram os seus preços recuar significativamente desde o pico do verão”. “Não nos podemos esquecer que vamos já com quatro ou cinco meses de desaceleração da inflação”, diz. 

O profissional acredita que estamos muito perto das taxas terminais dos bancos centrais. Contudo, acredita que estes vão manter o tom mais hawkish. “Os bancos centrais historicamente costumam experimentar dificuldades na luta contra elevados níveis de inflação e isso fará com que não mudem de tom num futuro próximo. Mas as forças estão lá. Mesmo o imobiliário está a mostrar quedas de preço. Quedas ligeiras, é certo, mas quedas”, exclama o gestor.

Novo paradigma de inflação

Apesar de uma visão mais otimista relativamente ao futuro próximo, Luís Sancho vê no mercado de trabalho apertado um fator de preocupação e um detrator de um abrandamento da contração monetária. Vislumbra  também um novo regime inflacionário. “Acredito que teremos que viver com níveis de inflação mais elevados. Talvez 3% seja o novo normal para os bancos centrais”, diz. Se por um lado vê um abrandamento muito rápido e significativo dos níveis de inflação - os 3% no final de 2023 ou início de 2024 -, por outro, o especialista considera também que a reversão da globalização vai ter o seu impacto e fazer com que nos encontremos perante o tal novo normal. 

Rita González, responsável de Investimentos na Baluarte Wealth Advisors, vai mais além e vê toda uma mudança de paradigma como resultado das experiências mais marcantes na história recente, a pandemia e a guerra na Europa. “Vamos encontrar-nos num ambiente de inflação muito diferente do que experienciámos nas últimas duas décadas”, exclama.

Para a profissional, uma das grandes tendências que ajudaram  a reprimir a inflação foi o movimento de globalização. “Podíamos produzir e comprar o que se queria na região que o fizesse de forma mais eficiente. Agora, com o COVID e uma guerra, esse movimento ficou em suspenso. Vemos o caso da energia, mas os produtos farmacêuticos são também um bom exemplo. Enfrentamos uma necessidade de desglobalização, e isso vai colocar pressão nos preços”, diz. 

Como consequência, os bancos centrais veem-se pressionados e Rita González acredita que não vão voltar a ter a oportunidade de fazer o que fizeram na última década. “Mesmo dentro das estruturas das autoridades monetárias vemos visões em conflito. Alguns membros querem subir mais as taxas, outros que já se fez demasiado. Isto impõe uma conjuntura muito turbulenta nos mercados de fixed income”, diz. “Na minha opinião cometeram-se alguns exageros no curto prazo, mas muito provavelmente a curva vai voltar a inclinar-se”, complementa. 

O QT tem o seu impacto e o segmento investment grade é o caminho

E apesar de muito se falar de taxas e de inflação, a verdade é que não é a única frente onde os bancos centrais estão a contrair a política. O quantitative tightening está a acontecer e tem o seu impacto nos mercados. Para Carlos Pinto, “o quantative tightening começará a afetar os lucros das empresas que se materializarão em spreads crescentes, principalmente nas empresas mais alavancadas”. Luís Sancho concorda e vê “um grande desajuste do crédito investment grade, em comparação com o high yield”, considerando que é um mercado onde os bancos centrais não estão mais a comprar. Em consequência, considera que “a proposta de valor do segmento de crédito investment grade é muito interessante”.

Algo com que Rita González corresponde, afirmando categoricamente que vê “o crédito investment grade como um ativo mais barato do que o high yield”. Já para quem quer, efetivamente, adicionar mais yield, agora que é possível encontrá-la nos mercados, Eléonore Bunel destaca uma solução interessante que envolve um reduzido risco de default no atual contexto de mercado. “É melhor comprar ativos subordinados, onde encontramos yields ao nível dos emitentes de baixo rating de crédito, mas com exposição de crédito a empresas de muito elevada qualidade”, destaca.