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Discriminatório e desigual

Pedro Lino, Economista, analisa a proposta do Governo para o Orçamento do Estado para 2022.
13 Outubro 2021, 10h52

Nunca um gestor foi considerado incompetente quando se trata de gerir um orçamento que apresenta uma receita crescente ano após ano, seja por via dos impostos, da emissão de dívida, ou ainda dos apoios da União Europeia.

O Orçamento do Estado para 2022 (OE), com mais de 105 mil milhões de euros para distribuir, lança o início do frenesim de gastar sempre mais, distrai a atenção do essencial – quanto é que, como contribuinte, estou a receber dos impostos pagos? A resposta é simples: cada vez menos. O OE é incapaz de apresentar respostas quanto à efetividade, responsabilização e optimização do dinheiro dos contribuintes.

O OE para 2022 continua a atirar dinheiro para cima de problemas, à espera que eles se resolvam por si, não deixando de constituir uma verdadeira discriminação entre os portugueses, e os portugueses e estrangeiros, quando deveria assentar na igualdade e não em ideologia.

Porque motivo é que os portugueses que emigraram durante a intervenção da troika, caso regressem, têm benefícios fiscais e os restantes não? Será que no pós-2015 quem emigrou não foi igualmente em busca de melhores condições de vida?

O OE não prevê qualquer medida para alívio da carga fiscal para as empresas ao nível do IRS, ou da segurança social suportada a título de empresa e do trabalhador, constituindo um forte entrave à subida dos salários por parte das empresas. Com os custos de contexto e a inflação a subirem de forma sustentada, as empresas terão dificuldades na manutenção da sua rentabilidade que poderá afectar a estabilidade financeira.

A medida mais emblemática, o englobamento, é um autêntico fiasco orçamental. Começa por fomentar a discriminação, uma vez que apenas alguns contribuintes são obrigados a englobar e outros não. Por outro lado, é introduzido o conceito de rendimentos de mais-valias mobiliárias especulativas, ou seja, para os activos financeiros que são transacionados no mercado e cujo período de detenção seja inferior a 365 dias.

Este conceito é, em si, bastante discriminatório uma vez que desconsidera os criptoactivos, onde a maior parte dos portugueses investe através de plataformas fora de Portugal, e que têm apresentado valorizações expressivas. Da mesma forma que não tem em conta as mais-valias geradas pelas captações para investimento imobiliário dos Residentes Não Habituais e Golden Visa, ou ainda as cedências de posições contratuais no imobiliário que muitas vezes geram ganhos substanciais em poucos meses.

O mercado de capitais português, já abandonado à sua sorte, não vê nenhuma medida para fomentar o investimento nacional nem a aplicação das poupanças dos portugueses, e ficará ainda mais dominado por investidores estrangeiros, que podem comprar e vender ações e obrigações isentos de impostos, ao passo que o investidor português é uma vez mais penalizado e discriminado.

O escalão teoricamente mais afectado, o de rendimentos superiores a 75.009 euros é o que mais facilmente consegue realocar os seus investimentos, por exemplo para empresas onde, ao invés de serem tributados a mais de 50%, incidirá a taxa de IRC acrescida de derrama, em média de 22,5%. Esta medida é um incentivo à criatividade na procura da soluções de investimento de longo prazo fora do país, já que foi dado o primeiro passo para o englobamento das mais-valias de capitais para todos os escalões, é apenas uma questão de tempo.

Em suma, este Orçamento prima pela continuidade do aumento de custos fixos, sem margem de acomodação em futuras recessões, onde o fomento do emprego por parte das empresas ficou esquecido, bem como a sua recapitalização por via do mercado de capitais, por forma a reduzir a dependência da banca. Ficou a mensagem: o mercado de capitais português, definitivamente, não é para nacionais.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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