Muito antes da pandemia antecipavam-se mudanças no mundo que viriam a ditar uma alteração estrutural na forma como vivemos.

A livre circulação de bens, serviços e pessoas conquistada nas últimas décadas, acompanhada pela facilidade de circulação de capitais, tinha os dias contados ainda antes da eleição de Donald Trump. Este apenas percebeu que uma nova realidade se desenhava.

Passados mais de oito meses desde a eleição de um novo presidente americano, ainda não teve lugar qualquer reunião entre os Estados Unidos e a China ao mais alto nível, ou seja entre presidentes. Esvanecem-se, assim, as esperanças de um recrudescer de tensões entre Estados Unidos e China.

Por outro lado, o mundo caminha para uma união entre Estados Unidos, Europa, Japão e Índia, com a constituição de um mega bloco económico que poderá contrabalançar o poder da China.

O movimento proteccionista foi amplificado pela pandemia que, ao colocar em causa as cadeias de fornecimento de cada região, pôs a nu as fragilidades do sistema económico das ultimas décadas.

O aumento da desigualdade e a inexistência, por falta de coragem, de mecanismos de ajustamento automático de custos de produção, por via de tarifas de compensação, provocaram um aumento da desigualdade e a perda de poder do Ocidente.

A preocupação com o clima evidencia isso mesmo. Sendo as empresas europeias mais reguladas e impactadas pelos custos de desenvolvimento de tecnologias de ponta, como forma a diminuir a pegada de carbono ou aumentar a sustentabilidade ambiental, são também as mais penalizadas ao nível da concorrência, quando competem pelo preço.

Neste contexto, muitas viram-se na necessidade de migrar parte da produção para poderem sobreviver, pelos custos de adaptação a novas regras ou pelos custos salariais.

A política monetária dos últimos anos disfarçou enquanto pode uma realidade insustentável, que é o regresso à produção local, mesmo com custos mais elevados, ou seja, com mais inflação.

A China deixou de ser exportador de deflação e teremos agora um novo período de aumento sustentado de preços. O custo de ajustamento às alterações climáticas, avaliado em biliões de euros, terá de ser pago através de preços de energia mais caros que se estendem a toda a economia.

Conjugando o aumento da inflação com o endividamento histórico das nações, os bancos centrais até podem querer reduzir os estímulos e a compra de activos, mas nunca mais poderão normalizar as taxas de juro.

O que era uma excepção – a impressão de dinheiro – passou a ser a norma, e os juros apenas um nome que irá perder a sua relevância ao longo das próximas décadas.

Esta será a maior alteração estrutural das nossas vidas – a eliminação do juro – com uma consequência previsível, uma taxa de desvalorização anual constante.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.