Nas últimas duas semanas temos assistido à divulgação de números de inflação que eram inimagináveis há um ano. Em Espanha, a inflação aproxima-se dos 10%, e na Alemanha os preços avançaram 7,6% em Março, a maior subida dos últimos 40 anos, com a energia a explicar 39,5% deste aumento.

O preço do gás, que se multiplicou por dez no último ano, provocará um efeito devastador no orçamento das famílias e das empresas, que terão de reduzir as suas margens ou colocar o ónus do lado dos consumidores. Os subsídios, ou alterações nas fórmulas de cálculo dos preços, são medidas de curto prazo, que ajudam mas não resolvem o problema europeu.

É verdade que a guerra na Ucrânia está a amplificar a subida do preço do petróleo, do gás e dos metais raros, mas também é verdade que esta tendência de alta dos preços era uma realidade. O desinvestimento nas energias tradicionais, forçado por directivas europeias, agendas escondidas que tentaram forçar a economia verde sem garantir uma transição mais suave em termos de custos para a economia, justifica parcialmente a escalada de preços.

A adopção de novas tecnologias, ditas “verdes”, está associada à necessidade de mineração de metais raros, cuja dependência europeia é uma realidade. O investimento nas alterações climáticas deve, assim, ser direccionado para tecnologias de captação de carbono ou que facilitem a transição energética, sem no entanto colocar em causa os agentes económicos.

Para além do choque da energia, as famílias têm ainda de preparar-se para o aumento das prestações com o crédito à habitação ainda este ano, uma vez que o Banco Central Europeu (BCE) poderá iniciar a subida de juros ainda no primeiro semestre de 2022. Neste momento, o mercado espera que as taxas possam subir este ano cerca de 0,6%, ou seja, terminarão o ano positivas. Já para dezembro de 2023 é esperado que a taxa Euribor a três meses atinja 1,4%, i.e. um aumento de 1,86%, face aos actuais -0,46%.

Pode parecer pouco, mas por cada cem mil euros de empréstimo uma família irá pagar mais 1.860 euros por ano ou 155 euros por mês. Um empréstimo de 300.000 euros irá sofrer um agravamento de 5580 euros por ano ou 465 euros por mês a partir de dezembro de 2023. Este “pequeno” aumento na taxa de juro significará para muitas famílias um custo adicional equivalente a cerca de meio salário mínimo por mês.

Nos próximos dois anos enfrentaremos uma conjuntura perigosa, que cruzará subida da inflação, salários controlados e aumento dos juros com reforço de restrições à concessão de crédito, diminuição do número de anos para contrair um empréstimo e rendas de casas incomportáveis para muitos. Desta mistura perigosa resultará, certamente, um forte abrandamento da economia ou mesmo recessão, com forte impacto no mercado imobiliário da classe média e no aumento do número de incumprimentos.

Ao terminar bruscamente o programa de compras num ambiente em que as famílias não conseguem aumentar o seu rendimento, o BCE arrisca colocar em causa todos os esforços implementados pelos diversos planos de estímulos, fiscais e monetários.

Segundo economistas contactados pela Bloomberg, a probabilidade de uma recessão nos próximos meses é já de 30%, pelo que cada família deve planear o seu orçamento familiar e conter os seus gastos para conseguir navegar pela crise que se adivinha.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.