Carlos Pinto (Optimize IP): "Respeitar o horizonte temporal idealizado é fulcral para que várias ideias de investimento atinjam o seu valor"

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Carlos Pinto. Créditos: Vitor Duarte

TRIBUNA de Carlos Pinto, senior investment manager na Optimize IP.

No início do ano, a inflação já prometia ser o elefante da sala. Contudo, o início da guerra na Ucrânia, agravou este sentimento, passando de um conceito temporário para um ciclo inflacionista mais duradouro. A juntar a tudo isto, o fecho de importantes cidades chinesas bloqueou um dos principais elos do comércio internacional. Foi a tempestade perfeita para os agentes económicos, especialmente aos mais expostos ao comércio global.

As matérias-primas acabaram por ser os principais contribuidores para os picos inflacionistas, com destaque para as energéticas, pelo embargo do Ocidente a um dos principais fornecedores mundiais de petróleo e gás natural. O preço das matérias-primas alimentares seguiram a mesma trajetória, uma vez que a Ucrânia é um dos principais produtores mundiais de cereais, e tem o fluxo congestionado desde a invasão russa ao seu território. No fundo, estamos perante uma inflação provocada pela quebra da oferta que já vinha do ano passado, originada pelas várias disrupções nas cadeias de abastecimento e agravada neste início do ano pelo fecho de importantes produtores mundiais.

Os três desenvolvidos

Nos EUA, a inflação tem sido a principal dor de cabeça dos seus líderes. Para contrariar esta tendência, a Fed já iniciou o ciclo de subidas da taxa de juro (por enquanto em seis níveis) passando de 0.25% para 1.75%. Esta reação mais hawkish, vem na sequência dos números de inflação acima das suas projeções. Na reunião de julho é esperado que as taxas subam mais 0.75%, para os 2.5%, sendo esperado que, até ao fim do ano, se situe nos 3.5%. É esperado que ao longo do ano de 2023, a curva de taxas de juro possa ser aligeirada para um nível mais normal. Estas políticas mais restritivas, que visam arrefecer a procura para reequilibrar os níveis de inflação, estão a aumentar as hipóteses de um cenário de recessão em 2023. 

No final do ano temos as eleições intercalares com a administração Biden a assumir a pretensão de manter a maioria em pelo menos uma das câmaras. Este cenário tem perdido força, tendo em conta os índices de popularidade diminuídos ao longo dos últimos meses.As decisões políticas na segunda metade do ano vão ser decisivas para a evolução económica e consequentemente para o sufrágio no final do ano.

A inflação também é a grande dor de cabeça na zona euro, especialmente pela sua maior dependência ao gás e petróleo russo. O embargo à Rússia obriga a zona euro a procurar fontes alternativas de energia e acelerar a transformação energética para fontes limpas. O BCE, perante o pico inflacionista de 8.6%, assumiu o início da subida da taxa de juro na próxima reunião de julho em 0.25%, e na reunião de setembro mais 0.5%, valor acima do esperado anteriormente. Estas medidas tiveram um forte impacto no agravamento do custo da dívida dos países mais endividados, com Itália a atingir os 4.2% na sua emissão de 10 anos. Estes valores preocupantes obrigaram o BCE a reunir de emergência acabando por decidir um programa de redução de ativos ad-hoc, leia-se pretendem continuar a suportar a divida dos países mais condicionados. Este anúncio acabou por ter um efeito imediato na dividas destes países, com Itália a regressar aos 3.3%.

Em termos políticos, Macron conseguiu a reeleição presidencial, mas com uma margem muito diminuta face à oponente Marine Le Pen. Esta curta margem, refletiu-se nas recentes eleições legislativas, com o seu partido ter perdido a maioria absoluta, sendo a primeira vez nos últimos 20 anos que um presidente francês perde a maioria absoluta, obrigando-o a fazer acordos com os seus oponentes com a pretensão de manter a sua agenda reformista.

No Japão, as fortes medidas de confinamento, o enfraquecimento da procura externa e o aumento dos preços da energia tiveram um efeito negativo na procura interna do país. Contudo, a celeridade provocada pelos estímulos monetários e governamentais conseguiram recuperar parte da procura interna, estimando-se que o PIB do país apresente um crescimento de 1.7% em 2022 e 1.8% em 2023. As famílias e empresas mais afetadas pelas várias medidas restritivas assim como as indústrias mais penalizadas pelas disrupções nas cadeias de distribuição estão a ser apoiados pelos estímulos governamentais. Estas políticas mais expansionistas, em contraciclo dos seus pares ocidentais, levaram a uma depreciação de 18% do iene face ao dólar neste 1º semestre, um estímulo para as empresas exportadoras.

Os dois polos dos mercados emergentes

Os mercados emergentes tiveram um ano bem divergente o que me permite destacar dois polos não sincronizados.

Por um lado, as economias mais relacionadas às matérias-primas (como o Brasil) apresentaram um desempenho extremamente positivo nos primeiros meses, contudo acabaram por sofrer fortes correções, acompanhando desta forma a queda dos preços das matérias-primas na 2ª metade deste período.

Por outro lado, os índices chineses iniciaram o ano muito condicionados, em plena tempestade perfeita. O maior peso regulatório, as fortes medidas de confinamento em importantes cidades e as revisões em baixa das suas metas de crescimento levaram esta economia para um nível das mais detratoras. Entretanto, o número de novas infeções de Covid-19 desceu drasticamente, permitindo uma reabertura progressiva de importantes cidades ao consumo e a reabertura dos seus portos marítimos ao comércio internacional. Para facilitar a recondução do presidente Xi Jinping no congresso do partido comunista chinês a ter lugar no último trimestre do ano, deverão ser tomadas políticas pró-mercado, ou seja, de apoio à atividade empresarial e investimento no país devendo ser um catalisador para uma melhoria dos mercados acionistas globais.

Ações vs obrigações

A primeira metade do ano de 2022 registou o pior início de ano dos últimos 50 anos no S&P500, 60 anos do Dow Jones e de sempre do Nasdaq. Estes desempenhos estão a ser mais agressivos e duradouros do que tem sido habitual nos últimos anos. O mercado está a focar-se apenas no pior cenário, cenário que incorpora um ciclo de subidas das taxas de juro mais agressiva para os próximos meses. Acontece que as medidas implementadas já arrefecem a procura, visível nos dados dos PMIs e também no declínio expressivo de muitas matérias-primas, tendo sido estas os principais contribuidores para os atuais picos inflacionistas.

Analisando os dados fundamentais das empresas, verificamos que os resultados continuam a superar as projeções de crescimento e, até ao momento, sem grandes revisões nos seus guidances. Todavia, é possível que a partir dos resultados destes trimestres, assistamos algumas revisões em baixa, enquadramento que parece já estar refletido pelo mercado. Em suma, o mercado está assolado pelo cenário pessimista, porém alertamos que o afastamento de um posicionamento neutral ou até mais otimista, constitui um sério risco de perder as fortes recuperações que são característicos a estes períodos depressivos.

Num ambiente de taxas de juro baixas e inflação elevada, a classe de ativo melhor preparada para defender as carteiras são as ações, uma vez que apresentam maior capacidade de repassar o aumento de custos nas suas vendas e adaptarem a sua oferta às necessidades do mercado.

Como sempre, não nos cansamos de alertar, que independentemente do ciclo económico, o investimento em ações deve respeitar o longo prazo, o que impede que a ciclicidade destas intempéries penalize o património financeiro. Adicionalmente, estes períodos devem ser encarados como oportunidades raras de entrada para aproveitar os preços de saldo que apresentam muitas empresas.

Encontramos excelentes oportunidades em empresas de qualidade, com elevadas barreiras à entrada e com facilidade de repassar a inflação, assim como em empresas tecnologicamente eficientes que permitam aumentar a produtividade permitindo preservar e até aumentar as suas margens, uma verdadeira força contra a inflação. Mais cautelosamente, o mercado chinês e indiano apresentam ótimas oportunidades devido à correção sofrida nos últimos meses e às excelentes dinâmicas de crescimento.

Também o mercado obrigacionista apresenta quedas historicamente elevadas, sendo a classe de ativos com declínios mais expressivos tendo em conta o perfil de risco dos seus investidores. O início da reversão das políticas acomodatícias, está a ser mais agressivo do que o antecipado, com a inflação a ditar o ritmo de subidas da taxa de juro por parte dos Bancos Centrais, alastrando à generalidade das obrigações, mesmo ás consideradas sem risco. Por exemplo, as obrigações do tesouro alemão e americano a 10 anos registaram uma performance de -12%. Significa isto que tiveram uma forte recalibração no rendimento proporcionado aos investidores, com o tesouro alemão a 10 anos a remunerarem 1.25%, comparando com os -0.22% há seis meses. O seu congénere americano passou de 1.5% para 3%.

Na atual conjuntura, privilegiamos obrigações de empresas com elevada qualidade de crédito emitidas em moeda forte (EUR e USD) de média duração (3 a 7 anos) e seletivamente em emissões emergentes.

Maiores riscos

O risco de recessão está cada vez mais implícito nos preços na generalidade dos ativos financeiros. Esta situação pode agravar-se no caso de os atuais níveis perdurarem por mais tempo, sendo que a intensidade do ajustamento será balanceada entre o abrandamento da procura (via aumento das taxas de juros), e o reajuste das várias cadeias de abastecimento.

Portanto, o cenário mais visível será o de estagflação, com o crescimento económico abaixo da inflação, o que poderá levar também para um cenário verosímil de recessão. O próximo semestre poderá ditar se o abrandamento será suave ou agressivo.

Contudo e igualmente relevante, alertamos para o risco de sair ou permanecer afastado dos ativos financeiros, o que poderá levar para uma deterioração do património financeiro. Face às fortes quedas e aliando a inflação elevada, é muito importante estar investido em ativos que melhor protejam dos vários ciclos económicos. Como sempre, adotamos e defendemos uma abordagem racional e convicção no poder da diversificação, da flexibilidade e do longo prazo no processo de investimento. Respeitar o horizonte temporal idealizado é fulcral para que várias ideias de investimento atinjam o seu valor. Só assim é possível ultrapassar as várias intempéries que vão assolando todos os ciclos de investimento.

Recomendamos o fundo Optimize PPR Agressivo, com uma abordagem diversificada podendo estar investido até 100% em ações para um perfil mais agressivo. Para o investidor mais conservador, o fundo Optimize PPR Moderado com uma abordagem mais defensiva, investe no mínimo 50% em obrigações com elevada qualidade de crédito e com exposição às ações limitada a 15%.

Notas finais

As subidas das taxas de juro dos principais bancos centrais e as já incorporadas pelo mercado, começam a ser refletidas nos preços das matérias-primas com a generalidade a inverter o seu comportamento ascendente, indiciando um abrandamento dos níveis da inflação para os próximos meses. Por exemplo, o preço do petróleo já corrige 15% face ao máximo do ano. Nas matérias agrícolas, o trigo já se aproxima de valores, mais normalizados, a corrigir mais de 39% face aos seus máximos. Nas industriais, o alumínio já se situa nos valores de há um ano, apresentando uma queda de 37% face ao máximo de março.

Estes ativos reagem fortemente às disrupções na economia, sendo os primeiros ativos a manifestarem-se perante um maior desequilíbrio oferta/procura. Este ciclo de subida de preços, foi despoletado pelo excesso de liquidez do mercado e pela escassez nas cadeias de abastecimento, ou seja, um excesso de procura perante uma escassa oferta. A correção que observamos já é um bom indício e um reflexo das fortes medidas restritivas por parte dos Bancos Centrais ao promoverem um arrefecimento na procura, o que deverá permitir corrigir as disrupções do último ano. Estamos convictos que a volatilidade vai continuar, nomeadamente através de rotações entre os ativos mais defensivos e agressivos. Contudo, as ações já transacionam a valorizações historicamente baixas, assim como as obrigações. No caso das ações é complicado assumir que o pior já passou, pelo que as entradas faseadas podem ser uma forma interessante de exposição ao mercado. Nas obrigações, observamos que os atuais níveis de taxa de juro já demonstram algum suporte, principalmente as obrigações americanas a 10 anos nos 3%. Ao contrário do observado nos primeiros 4 meses do ano, este nível já é considerado de refúgio nos dias de quedas abruptas.